26 de agosto de 2008

Dia de Facas

Hoje saí para trabalhar, em um dia comum, com a minha roupa comum, com a minha vidinha comum e com uma tristeza inebriante. Desapego, você vive se repetindo isso: desapego. É o que mais se lê em revistas e jornais agora, de repente ser desapegado e preservar o meio-ambiente virou moda.
Entrei no carro, coloquei o cinto e abri a janela como de costume.Começaram.Eram facas de todos os tipos por todos os lugares. Facas caindo, facas grudadas ao carro, facas fazendo sangrar uma cidade que já estava doente nas veias.Fria, com automóveis e gente gelada.
Algumas pessoas tinham uma espécie de campo magnético em que as facas chegavam, bem frente à frente mas caiam. Em outras pessoas, como eu, as facas entravam.Várias delas batiam no meu vidro, faziam um barulho agonizante. Pensei: Putz,a janela. Tarde demais, muitas delas já estavam no meu pescoço, cabeça, peito, ouvidos. O sangue que descia era quente,o que entupiu meus ouvidos e eu fiquei meio surda.Pelo menos agora eu seria poupada dos gritos falsos que ecoavam lá de fora. Fechei a janela. Parei o carro no acostamento. Desliguei a música. Procurei meu celular.Não sei porquê deuses pensamos que o celular vai conseguir ajudar em algo. Por alguns instantes, pensei em ficar dentro do carro, esperando acabar as facas no ar. As facas no ar. Eu nunca pensei que raciocinaria desse jeito. Peguei o retrovisor interno e o virei para mim. Meus dentes, meu olho, tudo vermelho, um sangue bem ralo. Desses que escorrem como esgotos em dia de chuva seca.Fui me acostumando com o que estava acontecendo,retomando um pouco de insanidade.E até pensei: é candaguinhos, um pouquinho de muito desespero serve para os acordar do marasmo hipócrita do dia-a-dia.
Acho que nem facas conseguem abalar certos homens, pois alguns olhavam e continuavam a atravessar a rua normalmelnte, me arrisco a dizer que carregavam um pesado sorriso irônico no olhar.
O mais estranho é que eu não sentia nada.Meu Deus, Meu Deus. Alguns anos nessa cidade de carne osso e concreto fizerqm com que eu me tornasse um deles.
Respirei fundo. Vou sair do carro. Foda-se.